Muitos desconhecem a diferença entre contrato de leasing ou arrendamento mercantil e o de financiamento de veículo. De fato, a dúvida faz sentido. É que, em ambos os casos, há a presença de uma instituição financeira e, de regra, envolve um veículo. Contudo existem inúmeras diferenças entre os mesmos.
Em um vídeo anterior já tínhamos até falado acerca das diferenças entre o leasing e alienação fiduciária.
Ali, a comparação era com a alienação fiduciária, que é a garantia dada no contrato de mútuo (empréstimo oneroso, com cobrança de juros)
O contrato de financiamento de veículo automotor
Quando falamos em financiamento, no sentido jurídico é de um contrato de empréstimo com juros, para aquisição de um determinado produto.
Bom lembrar que, à luz do Código Civil (cf. capítulo VI, seção I, do CC), empréstimo é o gênero das espécies mútuo e comodato.
Mutuar tem o significado amplo de emprestar. Todavia, como se percebe das regras do Código Civil, esse mútuo (esse “empréstimo”) pode ser oneroso ou gratuito. Naquele, há o pagamento, a retribuição pelo bem emprestado, que são os juros (daí mútuo oneroso) – que podem ser capitalizados, ou não; no outro, o empréstimo é gratuito (o chamado comodato).
Destaca-se, até aqui, um empréstimo de um bem, no caso intermédio de um empréstimo, o qual é oneroso em face da cobrança de juros remuneratórios pelo credor-mutuante (para alguns também chamados de “juros compensatórios”). Perceba que não falamos de qualquer garantia. É justamente e confusão traçada por muitos: para esses “financiamento de veículo” seria igual a “alienação fiduciária de veículo”. Mas não é !
Creio que já perceberam que, quando fala-se em “financiamento”, estamos tratando de unicamente um empréstimo com cobrança de juros; agora, ao contrário, quando diz-se “financiamento de um veículo”, a regra é que não estamos pensando em conseguir um determinado empréstimo para adquirir um veículo. Na verdade, confunde-se com a alienação fiduciária do veículo. Nesse há o empréstimo, para adquirir o veículo (o mútuo oneroso) e, todavia, esse mesmo veículo é dado em garantia ao banco para pagamento do empréstimo. Perceba que existem, assim, nesse caso, dois contratos distintos em uma única operação bancária: o empréstimo + a alienação fiduciária.
No primeiro vídeo acima citado fizemos uma explanação mais profunda do que seja a alienação fiduciária em garantia. Bom assistir; ficará bem melhor de compreender com mais segurança essas diferenças.
Agora vamos entender e enfocar o contrato de leasing ou arrendamento mercantil.
O contrato de leasing ou de arrendamento mercantil
Para melhor compreender-se essas diferenças, imperioso também que façamos uma breve menção às modalidades de contratos de arrendamento mercantil.
A modalidade de contrato de leasing, ora debatido a título comparativo com o empréstimo, será o leasing financeiro. É que existem várias outras espécies de leasing (ou arrendamento mercantil), a saber, por exemplo, o leasing-back (ou leasing de retorno), leasing imobiliário, leasing operacional etc.
Urge asseverar que a expressão leasing é a mais utilizada no meio jurídico e financeiro, tendo o mesmo significado para a nomenclatura “arrendamento mercantil”. Essa denominação é a adotada no direito brasileiro, o que depreende-se da regência da Lei nº. 6099/74; aquela outra designação, no entanto, largamente utilizada na legislação estrangeira, outrossim é fortemente encontrada na grande maioria dos julgados tratando do tema de arrendamento mercantil.
No leasing, veja uma significativa diferença que traz uma certa dubiedade com o contrato de empréstimo e o da alienação fiduciária em garantia: aquele que almeja um bem a ser arrendado (para o legislador denomina-se arrendatário) indica o bem a ser adquirido pela instituição financeira (arrendadora). Com isso, a instituição financeira adquire do fornecedor o bem almejado, pagando-o à vista. Nesse compasso, percebe-se, de logo, que o bem alvo de arrendamento passa a integrar o patrimônio da instituição financeira ( e não, como habitualmente confunde-se, ao patrimônio do arrendatário). Logo em seguida, feita a transferência do patrimônio à arrendante (sociedade de arrendamento mercantil), essa cuidará de celebrar com o arrendatário o ora comentado contrato de arrendamento mercantil ou, como queiram, contrato de leasing financeiro.
Nessa hipótese, qual seja o arrendamento mercantil financeiro do bem, restarão ao arrendatário, ao final do acerto contratual, três situações alternativas definidas por lei: a) devolver à sociedade arrendadora o bem ou; b) adquirir o bem pelo valor residual garantido(VRG) ou; c) renovar o contrato de leasing.
A propósito da situação destacada no parágrafo anterior, salientamos que o VRG(Valor Residual Garantido) faz identificar justamente o leasing financeiro. É dizer, essa particularidade inexiste nas demais formas de arrendamento mercantil.
Interessante outra diferença que reside instituto do leasing é a nomenclatura adotada para as parcelas mensais pagas pelo arrendatário. Ao contrário da adotada no mútuo financeiro ou oneroso (também chamado pela doutrina civilista de mútuo feneratício), no leasing a denominação da retribuição financeira pela utilização do bem arrendado é a contraprestação (confira-se, v.g., art. 5, ‘b’ e parágrafo único, art. 6, caput, art. 11, caput e parag. 2, todos da Lei 6099/74).
Então, enfatizamos que o pagamento da contraprestação (no contrato de leasing) não significa dizer o “pagamento da prestação de um empréstimo do carro”, como muitos pensam. No arrendamento mercantil não existe a cobrança de juros a título remuneração pelo uso do veículo arrendado.
Daí possivelmente você deve estar indagando-se agora: “Como então a instituição financeira nesse caso é remunerada?”
Faz sentido a dúvida. Confuso mesmo…
Digamos que “dentro” desta contraprestação paga pelo arrendatário (aproxima-se ao pagamento de aluguel de um imóvel), existam vários componentes para resultar no valor cobrado. No caso seriam, por exemplo, os tributos incidentes na operação do leasing, a depreciação do bem arrendado ao longo do contrato(existe uma tabela da Receita Federal que informa um cofator de depreciação do bem), custos administrativos, risco de inadimplência, um percentual correspondente ao custo financeiro que a sociedade de arrendamento mercantil tivera para obter o dinheiro para adquirir à vista o bem arrendado, etc. No entanto, e ora é o mais importante, a sociedade de arrendamento mercantil cobrará uma certa retribuição financeira por toda operação (que não equivale aos juros, pois empréstimo oneroso não é), que será equivalente ao lucro da mesma.
Bem a propósito vejamos um julgado que expressa o foco desse debate:
APELAÇÃO CÍVEL.
Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil. Sentença de improcedência. Insurgência do autor. Pedido de justiça gratuita. Pleito formulado na inicial e na apelação. Concessão em primeiro grau. Benefício que se estende à segunda instância. Exegese do art. 9º da Lei n. 1.060/50. Pedido de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Pleito que já foi concedido na sentença. Ausência de interesse recursal neste tópico. Juros remuneratórios. Encargo estranho à natureza juridica do contrato de arrendamento mercantil. Valor que se refere à contraprestação pelo arrendamento, que tem por objetivo pagar a locação do objeto arrendado, compensar as despesas realizadas pela arrendadora com a aquisição do bem, assim como conceder-lhe certa remuneração pela locação desse bem. Art. 5º, I, da resolução nº 2.309/96, do Conselho Monetário Nacional. Manutenção da contraprestação pactuada no contrato. Capitalização de juros. Ausência de cláusula expressa no ajuste em razão da natureza do contrato de arrendamento mercantil (leasing). Recurso não provido no tema. Taxa de abertura de crédito (tac) e tarifa de emissão de carnê (tec). Encargos previstos no contrato. Legalidade da cobrança. Reclamo desprovido. Repetição do indébito. Improcedência integral dos pedidos formulados na ação revisional e, por consequência, manutenção dos encargos pactuados. Inexistência de montante a ser restituído ao consumidor. Recurso conhecido em parte e desprovido. (TJSC – AC 2013.065530-0; Palhoça; Quinta Câmara de Direito Comercial; Relª Desª Soraya Nunes Lins; Julg. 28/11/2013; DJSC 06/12/2013; Pág. 184)
Com efeito, por fim, restam claras algumas diferenças existentes entre o acerto de leasing e o mútuo oneroso, maiormente quando naquele inexiste a figura do mútuo entabulado entre as figuras contratuais.