DIREITO AO ESQUECIMENTO x DIREITO DE INFORMAÇÃO
São um tanto frequentes situações de colisão de interesse coletivo de informação e, de outro viés, o direito de imagem, da exposição gratuita. Nessas rápidas linhas, todavia, iremos nos limitar à questão, igualmente habitual, de reportagens jornalísticas que, do nada, traz à tona acontecidos de décadas passadas. E isso se dá em maior número quanto a delito criminal e, frise-se, já devidamente “pagos” à Justiça.
Enfim, indaga-se: é certo voltar a noticiar, suponhamos, que determinada pessoa cumprira sua pena por crime cometido (embora hediondo) há anos ou décadas?
Defendemos que um fato delituoso, em que pese marcante para a sociedade naquela ocasião, que o então delinquente ainda permaneça com o estigma de criminoso. Certamente não há mais motivo algum de interesse público ou jornalístico, salvo denegrir a imagem desse personagem. O acontecimento criminal tende a ser desaparecido. E isso deve identicamente ocorrer em relação ao direito de informação.
Desse modo, é inconteste o sagrado direito ao esquecimento dos condenados que, inclusive, já cumpriram sua pena. E isso se dá, maiormente quando a notícia atual não traz nenhuma conexão com ocorrido há muito tempo. Não é possível que a notícia seja eternizada.
É induvidoso que isso cause uma oportunidade de humilhação, de momento vexatório, desrespeitoso, de nítida ofensa à imagem, honra e moral, gerando danos incontestáveis.
É consabido que a Constituição Federal prevê a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[ . . . ]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Como se observa, a controvérsia se cinge à aparente colisão de duas garantias constitucionais, quais sejam o direito à informação (CF, art. 220) e o direito à imagem, a honra e à vida privada do ofendido (CF, art. 5º, inc. X).
É uma realidade que necessitamos da liberdade de informação jornalística. Porém, como todo direito constitucional, não é absoluto. É dizer, encontra restrições em outros direitos fundamentais. E é justamente aí que se encontram o direito de imagem e o da personalidade.
Bem a propósito é o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, in litteris:
“A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação inclui o direito ao esquecimento. “
Com esse enfoque, vejamos o magistério de Regina Maria Macedo:
“Desse modo, impossível aceitar que o direito à liberdade de expressão e o de informação sejam absolutos, pois, como instrumento de realização pessoal e de formação de opinião democrática, devem respeitar, dentre outros, o direito de personalidade, o direito à imagem, ao bom nome e reputação, à intimidade privada, principalmente porque a expressão ou informação falsa não recebe proteção do sistema jurídico brasileiro, na medida em que, incorreta, possibilita influenciar a opinião pública e prejudicar o processo democrático. “ (FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito constitucional. São Paulo: RT, 2011, p. 588)
De toda conveniência transcrever trecho do brilhante voto do Ministro do STF Gilmar Mendes, quando, do julgamento do RE 511.961/SP, assim se pronunciou:
Afirmou-se que as violações à honra, à intimidade, à imagem ou a outros direitos da personalidade não constituiriam riscos inerentes ao exercício do jornalismo, mas sim o resultado do exercício abusivo e antiético dessa profissão. Depois de distinguir o jornalismo despreparado do abusivo, destacou-se que o último não estaria limitado aos profissionais despreparados ou que não frequentaram um curso superior, e que as notícias falaciosas e inverídicas, a calúnia, a injúria e a difamação configurariam um grave desvio de conduta, passível de responsabilidade civil e penal, mas não solucionado na formação técnica do jornalista. No ponto, afastou-se qualquer suposição no sentido de que os cursos de graduação em jornalismo seriam desnecessários após a declaração de não-recepção do art. 4º, V, do Decreto-lei 972/69, bem como se demonstrou a importância desses cursos para o preparo técnico e ético dos profissionais. Apontou-se que o jornalismo seria uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e informação, constituindo a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada, razão por que jornalismo e liberdade de expressão não poderiam ser pensadas e tratadas de forma separada. Por isso, a interpretação do art. 5º, XIII, da CF, na hipótese da profissão de jornalista, teria de ser feita, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220, da CF, os quais asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. “
(os destaques são nossos)
Nesse compasso, a situação aqui delimitada demonstra manifesto abuso de direito. A matéria publicada é de um fato ocorrido há anos, há mais de uma década, não restaria mais qualquer interesse informativo atualmente. É dizer, um equívoco acontecido na vida da pessoa não valida uma permissão para tornar isso eternamente público, sobretudo com as consequências à imagem da pessoa.
Com efeito, dispõe a Legislação Substantiva Civil que:
Art. 21 – A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Ainda sob a ótica do Código Civil, sob a égide do abuso do direito de informar, temos que:
Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Com esse prisma, é altamente ilustrativo transcrever os seguintes julgados:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLEITO DE EXCLUSÃO DE REPORTAGEM VEICULADA EM SITE JORNALÍSTICO. INVESTIGAÇÃO POLICIAL SOBRE O AUTOR ARQUIVADA HÁ MAIS DE DEZ ANOS. DIREITO AO ESQUECIMENTO DO INVESTIGADO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO NA PERMANÊNCIA DA NOTÍCIA. NECESSIDADE DE ESTABILIZAÇÃO DOS FATOS PASSADOS. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA PROTEÇÃO DA DIGNIDADE D PESSOA HUMANA. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. SOLUÇÃO MEDIANTE JUÍZO DE PONDERAÇÃO.
Pedido julgado procedente, para determinar que a ré providencie a exclusão da notícia impugnada de sua página na internet. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; APL 0141604-23.2012.8.26.0100; Ac. 8018036; São Paulo; Sexta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Paulo Alcides; Julg. 13/11/2014; DJESP 24/11/2014)
DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DIVULGAÇÃO DE SUPOSTO SEQUESTRO DE MENOR PELO PAI. FATOS INVESTIGADOS EM INQUÉRITO POLICIAL. CONTEÚDO INFORMATIVO. LIBERDADE DE IMPRENSA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ENUNCIADO Nº 531 DA VI JORNADA DE DIREITO CIVIL.
- É improcedente o pedido de indenização por danos morais, tendo em vista que o conteúdo das notícias jornalísticas, essencialmente informativas sobre tema de interesse público. Suposto sequestro de menor pelo pai -, não violou os direitos da personalidade do autor, considerada a liberdade de imprensa, que é garantia constitucional, própria do estado democrático de direito. Arts. 1º e 220, § 1º, da CF. II. Consoante o Enunciado nº 531 da VI jornada de direito civil. “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação inclui o direito ao esquecimento. ” procedente pedido para retirada da notícia no site. III. Os fatos foram noticiados em 26/02/07, mas ainda podiam ser lidos no site em 25/11/10, mais de três anos depois, embora o autor, em 20/10/08, tenha sido absolvido da imputação que lhe foi feita. lV. A notícia dada pela ré não trata de fatos históricos, cuja veiculação ainda nos dias de hoje teria algum interesse público. Em outras palavras, os fatos noticiados pela ré não são excepcionados pelo direito à memória ou à verdade histórica, devendo, portanto, ser retirados. V. Apelação parcialmente provida. (TJDF; Rec 2010.01.1.215195-3; Ac. 772.390; Sexta Turma Cível; Relª Desª Vera Andrighi; DJDFTE 02/04/2014; Pág. 464)
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA E DE INFORMAÇÃO VERSUS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MATÉRIA PUBLICADA EM SITE JORNALÍSTICO. INTERNET. NOTÍCIA DE PRISÃO EM FLAGRANTE DE SUSPEITO DE CRIME. POSTERIOR ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL RESPECTIVO. DIREITO AO ESQUECIMENTO DO INVESTIGADO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO NA PERMANÊNCIA DA NOTÍCIA. NECESSIDADE DE ESTABILIZAÇÃO DOS FATOS PASSADOS. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA PROTEÇÃO DA DIGNIDADE D PESSOA HUMANA. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. SOLUÇÃO MEDIANTE JUÍZO DE PONDERAÇÃO.
Pedido julgado procedente, para determinar que a ré providencie a exclusão da notícia impugnada de sua página na internet. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP; APL 0007766-17.2011.8.26.0650; Ac. 7554456; Valinhos; Sexta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Paulo Alcides; Julg. 08/05/2014; DJESP 29/05/2014)
Em arremate, sustentamos que, em situações tais, é mister seja priorizado à imagem da pessoa humana, em detrimento ao direito de informação (de fatos absolutamente pretéritos).