Define-se o princípio da insignificância como sendo aquele que se norteia, uma preenchidos os requisitos, a excluir a tipicidade de um crime, tendo franca aceitação pelo STF.
Desse modo, ocorre porque há mínima ofensividade da conduta delituosa, sem periculosidade social, com reduzidíssimo grau de reprovação do comportamento, bem assim inexpressiva lesão jurídica.
Portanto, atendidos esses pressupostos, a tipicidade deve ser afastada, pois o direito penal não se deve ocupar de condutas que não produzam prejuízo a bens jurídicos relevantes.
Essas, comumente, são destacados como crime de bagatela.
De mais a mais, consabido que esse princípio tem franca aceitação, reconhecimento, seja na doutrina ou jurisprudência.
Dessarte, funcionando como causa de exclusão da tipicidade, ensina a doutrina, representa instrumento legal decorrente do princípio da lesividade, fragmentariedade e intervenção mínima.
Por seu turno, o Judiciário somente deve acionado para solucionar conflitos que afetem, sobremaneira, os bens jurídicos, esses protegidos pelas normas incriminadoras.
Anuindo a essa argumentação, pondera Cezar Roberto Bitencourt, in verbis:
A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetividade proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam ao determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1, p. 51)
Portanto, em síntese, necessária relevante lesão ao bem jurídico tutelado.
Nessa entoada, significativas as palavras do penalista Rogério Greco:
Ao contrário, entendendo o julgador que o bem subtraído não goza da importância exigida pelo Direito Penal em virtude da sua insignificância, deverá absolver o agente, fundamento na ausência de tipicidade material, que é o critério por meio do qual o Direito Penal avalia a importância do bem no caso concreto. (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, vol. III, p. 39)
Seguindo esse raciocínio, apregoa Guilherme de Souza Nucci, verbis:
O Direito Penal não se ocupa de insignificâncias (aquilo que a própria sociedade concebe ser de menos importância), deixando de se considerar fato típico a subtração de pequeninas coisas de valor nitidamente irrelevante. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado [livro eletrônico]. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Epub. ISBN 978-85-309-6885-4)
Nesse âmbito de discussão, é preciso lembrar o entendimento expendido pelo Supremo Tribunal Federal, conferido neste julgamento emblemático:
AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCADOR FLAGRADO COM DOZE CAMARÕES E REDE DE PESCA, EM DESACORDO COM A PORTARIA 84/02, DO IBAMA. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.605/98. REI FURTIVAE DE VALOR INSIGNIFICANTE. PERICULOSIDADE NÃO CONSIDERÁVEL DO AGENTE. CRIME DE BAGATELA. CARACTERIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. HC CONCEDIDO PARA ESSE FIM. VOTO VENCIDO.
Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento. (STF; HC 112.563; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 21/08/2012; DJE 10/12/2012; Pág. 33)
O Superior Tribunal de Justiça, em louvável posicionamento, fixou igual orientação. Veja-se:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE DANO EFETIVO AO MEIO AMBIENTE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A ausência de pescado cumulada com a utilização de instrumentos de uso permitido, como vara de carretilha e isca, demonstram amadorismo da conduta do denunciado e, portanto, mínima lesividade ao bem jurídico. Precedente. 2. “na ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora (art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998), verifica-se a atipicidade da conduta. ” (resp 1.409.051/sc, Rel. Ministro nefi Cordeiro, sexta turma, julgado em 20/04/2017, dje 28/04/2017). 3. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-REsp 1.689.342; Proc. 2017/0200552-0; TO; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 13/12/2017)
PENAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA.
1. Consoante entendimento jurisprudencial, o “princípio da insignificância. Que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do estado em matéria penal. Tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (…) tal postulado. Que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do poder público. ” (HC nº 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004) 2. Caso concreto que se adequa a esses vetores, possibilitando a aplicação do princípio da insignificância, com reconhecimento da atipicidade material da conduta, consubstanciada em pescar em local proibido (unidade de conservação), porquanto não apreendido um único peixe com os recorrentes, o que denota ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso provido para reconhecendo a atipicidade material da conduta, trancar a ação penal. (STJ; RHC 71.380; Proc. 2016/0135224-3; SC; Sexta Turma; Relª Minª Maria Thereza Assis Moura; DJE 30/06/2016)
PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.605/1998. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. APLICAÇÃO COM BASE NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ.
Agravo conhecido para não conhecer do recurso especial. (STJ; AREsp 820.864; Proc. 2015/0304156-2; RN; Sexta Turma; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 04/05/2016)
PENAL E PROCESSO PENAL.
Recurso especial. Crime ambiental. Artigo 34, caput, da Lei n 9.605/98. Princípio da insignificância. Possível aplicação. Precedentes. Retorno dos autos à corte de origem para análise das circunstâncias específicas do caso concreto. Recurso provido. (STJ; REsp 1.455.586; Proc. 2014/0120208-9; PR; Sexta Turma; Relª Min. Maria Thereza Assis Moura; DJE 05/03/2015)
Com raras divergências, assim também perfilha a jurisprudência dos tribunais inferiores:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 38 DA LEI Nº 9.605/98. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
O art. 38, da Lei nº 9.605/98, se limita a proteger florestas consideradas de preservação permanente. Assim, não havendo provas de que a área degradada se encaixa no conceito de floresta, impõe-se a absolvição do agente com fulcro no art. 386, III, do CPP. V.V. Comete o delito previsto no art. 38 da Lei nº 9.605/98 aquele que destrói ou danifica vegetação nativa considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou a utiliza com infringência das normas de proteção ambiental. Segundo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente deve levar em conta o equilíbrio ecológico e não apenas as questões jurídicas ou a dimensão econômica, devendo ser restrita aos casos em que a conduta do agente apresenta mínima ofensividade, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, inexpressividade da lesão jurídica provocada e nenhuma periculosidade social da ação. Para a fixação da pena de prestação pecuniária deve ser observado o grau de reprovação da conduta e também as condições financeiras do agente, devendo ser suficiente à reprovação e prevenção de novas condutas ilícitas. Ainda que a substituição da pena privativa de liberdade seja mais benéfica ao agente, trata-se de sanção, devendo ser exigido do apenado empenho e esforço para o seu cumprimento, sob o risco de se estimular o sentimento de impunidade. (TJMG; APCR 1.0625.13.009507-2/001; Rel. Des. Edison Feital Leite; Julg. 03/04/2018; DJEMG 13/04/2018)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DESCUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA JUSTIFICADA. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO. VIABILIDADE DE APLICAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
Desnecessária se torna a punição concreta do fato ante a possibilidade de aplicação do principio da irrelevância penal do fato. SUSPENSÃO DAS CUSTAS. DADO PROVIMENTO AO RECURSO. OFÍCIO. 3. Suspende-se das custas a parte assistida pela Defensoria Pública. 4. Dado provimento ao recurso. V.V CRIME AMBIENTAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CABIMENTO NO CASO CONCRETO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. O princípio da insignificância é de aplicação excepcional quando o caso envolve delito contra o meio ambiente, bem jurídico merecedor de especial proteção no contexto atual. 2. Verificando-se, na hipótese, que a conduta do acusado não lesionou o bem jurídico tutelado pela norma, resta imperiosa a aplicação do referido princípio. (TJMG; RSE 1.0481.07.066089-1/001; Rel. Des. Marcilio Eustaquio Santos; Julg. 14/03/2018; DJEMG 23/03/2018)
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0031265-57.2012.8.08.0048 APELANTE. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL APELADO. NATALICIO FERNANDES E JOSE GERALDO GUSMAO ME RELATOR. DESEMBARGADOR EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR ACÓRDÃO APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL SEM COMPROVANTE DE CURSO DE MOVIMENTAÇÃO DE CARGA PERIGOSA. FATO MATERIALMENTE ATÍPICO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. QUESTIONÁVEL PERICULOSIDADE DA CARGA TRANSPORTADA. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. O fato de o tipo penal em questão ser reconhecidamente como de perigo abstrato, em que o meio ambiente é o bem juridicamente tutelado, não afasta, por si só, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. 2. No caso, o Boletim de Ocorrência versa tão somente quanto a ausência de certificado de conclusão de curso de movimentação de carga perigosa, não havendo notícia de qualquer outra irregularidade no veículo que pudesse ensejar perigo ou ameaça de perigo ao meio ambiente. 3. A Agência Nacional de Transporte Terrestre reconhece que nem toda carga de carvão vegetal oferece risco ao meio ambiente, conforme Comunicado SUCAR/ANTT 2010, publicada no DOU de 23/04/2010. 4. Assim, além de a desconformidade constatada (ausência de certificado de curso de MOPP) ser ínfima frente ao bem tutelado, a própria periculosidade do produto é questionável, reforçando ainda mais que a ofensividade da conduta deve ser considerada insignificante para ser tutelada pelo direito penal. 4. Recurso ministerial desprovido. Sentença absolutória mantida. (TJES; Apl 0031265-57.2012.8.08.0048; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Ewerton Schwab Pinto Junior; Julg. 07/03/2018; DJES 16/03/2018)