Encargos Contratuais (Direito Bancário) Doutrina
Artigo de doutrina sobre Direito Bancário. Encargos contratuais. Juros abusivos no empréstimo e financiamento.
1 – Encargos contratuais bancários (generalidades)
No transcorrer de uma relação jurídica bancária, existem vários encargos contratuais que são exigidos do mutuário (aquele que pede o empréstimo ao banco).
Alguns têm conotação de remuneração do capital emprestado; outros, tão-somente como mecanismos de atualização monetária do débito, para que, dessa forma, mantenha-o excetuado de desvalorização frente ao processo inflacionário; e, igualmente, comissões em face dos serviços prestados pelas instituições financeiras.
Entrementes, o que se constata, ao invés, é uma assustadora diversidade de entendimentos quantos aos mesmos, sobretudo no campo doutrinário e, mais, nos julgamentos proferidos pelos mais diversos Tribunais.
Destoam, com frequência, no que diz respeito ao verdadeiro alcance das regras, trazendo, assim, sequelas graves ao pacto.
Resultado disso, apenas para exemplificar, é uma sobrecarga de disputas judiciais, colaborando significativamente com abarrotamento de processos, inadimplência desenfreada, instabilidade no mercado financeiro, aumento da taxa de juros, quebra de instituições financeiras (face à inadimplência) etc.
Nesse passo, as linhas expostas no presente procura desvendar — ao menos tenta-se — as intrincadas nomenclaturas utilizadas na relação jurídica contratual bancária, maiormente o seus efeitos jurídicos-financeiros.
( 1.1. ) Conceito de juros
Não existe no ordenamento jurídico qualquer norma que traga consigo um conceito de juros.
Disso não diverge Sílvio de Salvo Venosa, quando se pronuncia, ad litteram:
O conceito de juros não se apresenta na lei. Juros são a remuneração que o credor pode exigir do devedor por se privar de uma quantia em dinheiro. Os juros são precipuamente em dinheiro e em retribuição de uma quantia em dinheiro, embora nada impeça a entrega de juros em espécie nas obrigações fungíveis que tenham por objeto outras coisas que não dinheiro (cf. VON THUR, 1934, v. 1, p. 46). Os juros retribuem o capital paulatinamente, dependendo do prazo de duração da obrigação. (Salvo, Venosa, Sílvio d., Rodrigues,. Código Civil Interpretado, 3ª edição. Atlas, 08/2013)
Todavia, embora inexista definição legal, abaixo cuidaremos de revelar considerações atinentes ao sentido desse termo “juros” (ou interesses).
Não raro dicionários evidenciam a denominação “juro”, no singular mesmo.
Com esse enfoque afirmam ter origem etimológica ligada à locução latina jure, associada a jus, juris; em última análise se relaciona ao sentido de direito.
Das mais diversas definições de juros, a mais utilizada pela doutrina é a que “são os frutos civis do rendimento do capital”.
Com isso, de pronto identificamos como uma obrigação acessória, pois essa se refere como frutos/rendimentos de capital alheio emprestado (obrigação principal).
( 1.2. ) Natureza jurídica dos juros bancários
Os juros, sob o ângulo remuneratório, servem como retribuição ao credor pelo uso de seu capital por certo período.
Revelam-se como os interesses, ganhos ou lucros que o possuidor do capital colhe pela invasão, ou seja, quando um terceiro se utiliza desse capital que não possui.
Além de remunerar, os juros igualmente engloba a função de cobrir os riscos advindos do mútuo oneroso (neutralização dos riscos, v.g., inadimplência, inflacionário, cambial, etc).
Por esse modo, o percentual dos juros guarda harmonia igualmente com o perigo de não se receber o capital mutuado.
É inarredável que, ante à acessoriedade ao encargo preponderante, os juros surgem no momento contemporâneo ao aparecimento do ônus originário (CC, art. 92).
Assim, ante à notória dependência, seguem a mesma sorte desse (acessorium sequitur principal, acessorium cedit principali).
Todavia, urge asseverar que os juros, ordinariamente suplementares em relação à obrigação principal, podem, excepcionalmente, ocupar condição autônoma.
É dizer, os juros podem cindir-se da obrigação primordial e passar a ter existência autônoma.
Com isso, elidida a característica de acessoriedade, desaparece seu status de juros. É a dicção proveniente do art. 323 do Código Civil.
Costumeiramente são designados em percentual sobre o capital.
1.2.1. Quanto à forma da capitalização
1.2.1.1. Capitalização composta (capitalização exponencial)
( a ) O conceito da palavra “capitalização” (capitalização de juros)
A expressão capital tem vários significados.
Pode ser o principal ou parte de uma dívida, distinguindo-o dos juros; tem acepção de dinheiro ou também de soma de bens, equivalente a patrimônio.
Nas linhas que se seguem, terá unicamente o sentido de dinheiro.
Mas o que seria a expressão “capitalizar os juros” ?
Para melhor entendermos essa enunciação, conveniente que compreendamos, inicialmente, o que seja o sufixo gramatical “izar”.
Este sufixo “izar” é utilizado para formar verbos oriundos de substantivos e adjetivos.
Esses verbos passam a ter o sentido de “fazer” ou “tornar-se” do que se revela um substantivo ou adjetivo.
Vamos exemplificar, para uma melhor compreensão:
Humanizar = tornar humano, individualizar = tornar individual,
capitalizar = tornar capital (os juros se tornam capital)
Vejamos isso em uma conta aritmética.
Sujeito A toma emprestado (mútuo oneroso) a quantia de R$ 100.000,00 do Banco B.
No contrato foi convencionado que a dívida seria em 12 parcelas sucessivas, com juros remuneratórios, capitalizados mensalmente, à razão de 1% (um por cento).
1º mês – 1% x R$ 100.000,00(capital) = R$ 1.000,00(juros)
2º mês – 1% x R$ 101.000,00(capital) = R$ 1.010,00(juros)
** Perceba que, no segundo mês, os juros do primeiro mês integraram o capital no segundo mês, ou seja, foi capitalizado. Os juros do primeiro mês, pois, passaram a ser capital. Daí o sentido do sufixo “izar”, o qual tornou o substantivo “juros” em capital.
Nesse compasso, é a cobrança de juros sobre juros, esses já incluídos no capital, ou seja, agregando-se os juros ao valor original do débito.
E esse fenômeno tanto pode ocorrer nas operações bancárias ativas (empréstimos) ou passivas (poupança, CDB, etc).
1.2.1.2. Capitalização simples (capitalização linear)
Esse modelo de capitalização, em sentido oposto ao padrão anterior, é, sem dúvida, timidamente utilizado no mercado financeiro.
Nesse caso, a taxa de juros não incide sobre o capital anterior, ou seja, o capital acumulado com os juros antecedentes.
Assim, a taxa recai tão somente sobre o capital inicialmente emprestado.
Mais uma vez vamos exemplificar com uma conta aritmética.
Em um empréstimo de R$ 100.000,00(o capital) com emprego de juros mensais remuneratórios de 1%, por período um de 24 meses, teríamos a seguinte conta:
( 1º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 1.000,00)
( 2º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 2.000,00)
( 3º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 3.000,00)
[ . . . ]
Ao final de doze meses teríamos:
( 12º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 12.000,00)
Perceba que até aqui, ou seja, no décimo segundo mês, os juros não foram incorporados ao capital (capitalização); ficaram em uma conta separada.
A palavra juros ordinariamente é usada no plural, todavia pode ser utilizada no singular, “juro”.
( b ) O conceito da palavra “capitalização” (capitalização de juros)
Capital tem vários significados. Pode ser o principal ou parte de uma dívida, distinguindo-se dos juros; tem acepção de dinheiro ou também de soma de bens, equivalente a patrimônio.
Nas linhas que se seguem, vamos trabalhá-lo unicamente no sentido de dinheiro.
Mas o que seria a expressão “capitalizar os juros” ?
Para melhor entendermos essa enunciação, conveniente que entendemos, primeiro, o que seja o sufixo gramatical “izar”.
Esse sufixo “izar” é utilizado para formar verbos oriundos de substantivos e adjetivos. Esses verbos passam a ter o sentido de “fazer” ou “tornar-se” do que revela-se substantivo ou adjetivo.
Vamos exemplificar, para mais fácil ficar de compreender:
Humanizar = tornar humano, individualizar = tornar individual,
capitalizar = tornar capital (os juros tornam-se capital)
Vejamos isso em uma conta aritmética, o que, decerto, será muito útil aos colegas que procuram melhor compreender aspectos relevantes da Prática Forense Bancária.
Sujeito A toma emprestado a quantia de R$ 100.000,00 do Banco B.
O empréstimo foi convencionado para ser pago em 12 parcelas sucessivas, com juros remuneratórios, capitalizados mensalmente, à razão de 1%.
1º mês – 1% x R$ 100.000,00(capital) = R$ 1.000,00(juros)
2º mês – 1% x R$ 101.000,00(capital) = R$ 1.010,00(juros)
** Perceba que, no segundo mês, os juros do primeiro mês integraram o capital no segundo mês, ou seja, foi capitalizado.
Os juros do primeiro mês, pois, passaram a ser capital. Daí o sentido do sufixo “izar”, que tornou o substantivo “juros” em capital.
Nesse compasso, é a cobrança de juros sobre juros já incluídos no capital, ou seja, agregar os juros ao valor original do débito.
1.2.2. Quanto à sua origem
1.2.2.1. Juros legais
Juros legais, como a própria expressão em si anuncia, provêm por força de lei; autorizada por essa.
Assim, a convenção entre os contratantes quanto ao percentual desses não tem importância.
Da mesma forma, esses podem decorrer como de punição pela demora no pagamento de dívida (juros moratórios) ou restituição do capital alheio.
Além disso, como forma de compensar (remunerar) a utilização do capital alheio (juros compensatórios/remuneratórios).
Nesse compasso, trata-se de categoria de juros que podem surgir mesmo a despeito de acerto expresso nesse sentido.
Veja, por exemplo, disposição incluída no Código Civil atinente à remuneração do mandante ao mandatário (CC, art. 677).
Porém, no que diz respeito aos juros moratórios, expressa o Código Civil que, na ausência de acerto quanto à incidência desses, ou, ainda, sem a respectiva taxa ou provenientes de lei,
“serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” (CC, art. 406)
Na legislação tributária ordinariamente a taxa moratória é de 1%(um por cento) ao mês (CTN, art. 161, caput c/c § 1.º).
Nesse diapasão, referida taxa igualmente é limitadora dos juros convencionais, salvo as exceções legais.
Como se percebe, inexiste completa liberdade das partes convencionarem taxas de juros. Os contratantes devem ater-se às restrições legais.
Além disso, os juros legais surgirão a partir de um evento ou fato estatuído em lei.
1.2.2.2. Juros convencionais
Quanto aos juros convencionais, sua cobrança se sobressai em face da intenção volitiva fixadas pelas partes.
Portanto, essa é a origem: o ajuste entre os contratantes. Destarte, sua fonte primordial é o contrato (negócio jurídico).
A convenção desses juros pode dar-se em relação aos juros moratórios assim como aos remuneratórios.
Como antes asseverado, a estipulação dos juros deve restringir-se ao balizamento legal, sob pena de sua anulada.
Sobretudo, abre-se caminho a interferência judicial a regular a conduta ilegal.
1.2.3. Quanto ao seu fundamento
1.2.3.1. Juros remuneratórios
Referem-se aos valores pagos como retribuição a compensar (daí também chamar-se juros compensatórios) o credor pelo tempo em que o devedor tivera em seu poder o capital daquele.
Ordinariamente são ajustados mediante contrato (mútuo), variando conforme o propósito e a espécie do negócio jurídico firmado.
Mesmo assim devem obediência ao princípio da função social dos contratos e da boa-fé dos contratantes.
Entrementes, há situações que esses juros, a despeito de qualquer convenção, por força de lei são devido.
É caso, por exemplo, do mandante em relação ao mandatário (CC, art. 670).
Comumente são empregados nos mútuos feneratícios (do latim foenus), ou seja, com finalidade econômica.
Sem acerto de forma contrária, presumem-se devidos os juros com esse intento financeiro (CC, art. 591).
1.2.3.2. Juros moratórios
Têm como âmago indenizar o credor dos prejuízos (CC, art. 395 c/c 404) decorrentes da mora obrigacional do devedor (CC, art. 394).
Denominam-se juros moratórios legais àqueles que derivam da inadimplência do devedor, porém sem ajuste expresso nesse sentido (CC, art. 406).
Há, porém, contratos que são regidos por leis especiais. Assim, prevalecem os ditames dessa em detrimento da lei geral.
É o que se passa, por exemplo, nas cédulas de crédito rural (Dec.-Lei 167/67).
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, nos contratos bancários, não subordinados à lei especial, os juros moratórios são limitados a 12% a.a. (Súmula 379).
Nos demais contratos, igualmente devem obedecer ao percentual supra-aludido, entrementes por força da disposição imposta pelo art. 406 do CC e art. 161, caput e parágrafo 1º, do CTN.
1.2.4. Quanto à indexação
1.2.4.1. Taxa de juros pré fixada
Realizar a indexação de preço (indexar) é corrigi-lo em dado momento consoante certo índice de variação de preços.
Esse pode ser definido pelo Estado ou, igualmente, por consenso entre as partes.
O propósito maior é evitar-se que o montante a ser pago futuramente seja aviltado pela inflação.
Por isso, o índice estipulado se volta a agregar-se o tão próximo possível à desvalorização da moeda em face do poder inflacionário.
Nesse compasso, reconhecido que a correção monetária é um dos componentes da taxa de juros, esses seguem, em certa proporção, à expectativa da inflação futura.
Desse modo, é facultado às partes contratarem a taxa de juros previamente, em termos percentuais sobre o capital mutuado, logo no início da contratação.
Porém, a mesma não sofrerá alteração futura, em que pese eventualmente haja alguma modificação do índice de inflação.
1.2.4.2. Taxa de juros pós fixada
Também conhecida como taxa de juros flutuante. Nessa hipótese, ao contrário da espécie anteriormente mencionada, as taxas não são fixas.
Por esse ângulo, nessa modalidade de taxa remuneratória há um condicionamento às futuras alterações do índice fixado para corrigir a dívida.
Assim, o valor preciso a pagar somente será conhecido no vencimento da dívida ou na data do pagamento.
E isso ocorre tanto nas operações bancárias passivas ou ativas. É dizer, por exemplo, o caso da poupança (operação passiva bancária).
Aqui o cliente bancário somente saberá o valor a creditar quando definido o índice de variação da Taxa Referencial. Com isso, soma-se aos juros remuneratórios de 0,5% ao mês.
Já a título de exemplo em uma operação bancária ativa, podemos mencionar os empréstimos atrelados à variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
2 – Correção monetária
Antes de tudo, impende asseverar que a correção monetária (ou atualização monetária) não se confunde com juros.
Enquanto esses têm a finalidade de remunerar o capital emprestado ou mesmo servir de punição à parte inadimplente, aquela prioritariamente visa assegurar que os valores não sejam aviltados pelo poder da inflação.
Sob o ângulo do ponto de vista de economistas, o aumento de preço, suponhamos, de um único produto ou serviço, não caracteriza inflação.
Ao contrário, reclama a ocorrência generalizada e contínua de preços.
Assim, não é fomentada por evento esporádico e nem mesmo de um produto ou serviço isoladamente.
Por esse modo, nesses casos há uma desvalorização da moeda; a mesma já não tem o mesmo anterior poder de compra, uma vez que depreciada pela inflação.
Com isso, precisa-se que a correção monetária não traduz qualquer tipo de aumento; não é um plus.
Ao revés disso, como afirmado, almeja preservar o poder de compra da moeda. Até mesmo mira evitar o enriquecimento sem causa de qualquer das partes envoltas em um negócio jurídico.
A inflação é indicada por meio de uma taxa, esses decorrentes de índices que medem o aumento dos preços de certo período.
Contudo, não é único o meio de mensurar-se o aumento de preços.
É dizer, os índices são apurados consoante os interesses e objetivos de quem vai os utilizar.
A ilustrar, se almejamos encontrar um índice que aponte o custo de vida, esse podem ser expostos do INPC/IBGE, IPC/FIPE, etc.
De outra banda, acaso o âmago seja medir uma alteração de preços mais abrangente, o índice pode ser representado do quanto apurado do IGP-DI ou IGP-M, um e outro da FGV.
Outras vezes podem decorrer do custo de captação de recursos pelos bancos, ordinariamente empregada nos contratos de empréstimos bancários.
Segundo o que reza a Legislação Substantiva Civil (CC, art. 316), é lícito às partes convencionarem o aumento progressivo de prestações sucessivas.
Por isso, nesse momento se define o indexador que será aplicado durante a relação contratual.
A doutrina civilista adotou esse enfoque com a nomenclatura de “cláusula de escala móvel” ou “cláusula de escalonamento”.
Dessa maneira, os valores futuros da dívida poderão ser flexionados por conta de alterações no poder de compra da moeda, atrelando-se a determinado índice.
Assim, os pagamentos dilatados para períodos posteriores corresponderão àqueles antes contratados, todavia corrigidos de sorte a neutralizar as alterações do poder aquisitivo da moeda.
No que diz respeito à incidência da correção monetária sucedida da inadimplência da obrigação, o Código reserva outro tratamento (CC, art. 389, 395 e 404).
A aplicação do fator correção monetária à “mora debitoris” independe de acerto contratual, pois decorre de Lei.
Porém, não obstante a ausência de cláusula, a atualização deverá obedecer a índices oficiais (CC, art. 404).
Nesses casos, entrementes, quanto ao marco inicial de sua incidência, é imprescindível saber-se se é mora ex re ou mora ex persona.
Quanto à mora ex re, essa se aplica às obrigações positivas (surgem de conduta comissiva do devedor de dar ou fazer), líquidas (dívida certa e determinada, ou seja, sem se fazer compulsória a elaboração de cálculos para apurar-se seu montante) e igualmente com prazo definido para pagamento (CC, art. 397).
Assim, a hipótese sucede no momento que obrigação deveria ser adimplida, independentemente de qualquer formalidade (”dies interpellat pro homine”).
Ao contrário dessa espécie, a mora ex persona reclama a ciência inequívoca do devedor por meio de interpelação judicial ou extrajudicial (CC, art. 397, parágrafo único).
Por conseguinte, inexistindo uma data para o cumprimento da obrigação, imprescindível a ciência do devedor e, por isso, a correção monetária começará a ser contada desse momento.
4 – Comissão de permanência
Tarefa por demais espinhosa é situar com precisão, mesmo para aqueles que militam há tempo na prática forense bancária, o que seja a definição do encargo contratual bancário denominado comissão de permanência.
Sabe-se que referido encargo fora criado por meio da Resolução nº. 15/66, do Conselho Monetário Nacional.
Posteriormente, foi facultada sua cobrança às instituições financeiras em face da edição da Resolução nº. 1.129/86, do Banco Central do Brasil.
Assim, quando a norma fala em “facultar”, sem dúvidas isso nos revela que se faz necessária a inclusão de cláusula expressa a possibilitar sua cobrança em caso de inadimplência.
Do contrário, não houve acerto com esse propósito, impossibilitando, obviamente, sua exigência pela parte credora. Não é, pois, de consequência automática.
Do teor da referida Resolução, verifica-se que é dado a certas espécies de instituições financeiras (gênero) cobrarem, em decorrência de inadimplência do mutuário, determinado percentual.
Esse percentual, mais, poderá ser cobrado por dia de atraso do devedor bancário.
O rol de instituições financeiras autorizadas a cobrar esse encargo é taxativo, ainda assim limitada à taxa remuneratória designada no acerto contratual.
É dizer, não admite extensão. Nesse passo, totalmente ilegal a cobrança por, v.g., empresas de factoring, contratos entre particulares, etc.
Urge destacar, igualmente, que há entendimento jurisprudencial dominante no sentido de impossibilitar a cobrança de comissão, quando, por exemplo, o mútuo advir de Legislação Especial.
Por esse norte, ainda de modo ilustrativo, é assente a percepção de que nos empréstimos decorrente de Cédula de Crédito Rural é impertinente exigir-se essa obrigação, mesmo que por acerto manifesto.
É que, como dito, o Dec-Lei 167/67, que regra essa modalidade de mútuo, traz consigo regra que trata da inadimplência (Art 5º).
Contudo, esse artigo nada ostenta quanto a essa permissão.
De outro bordo, é inarredável a conclusão — inclusive à luz do STJ — de que a cobrança da comissão de permanência:
( a ) pode ser cobrada consoante à taxa média do mercado para a correspondente modalidade de empréstimo;
( b ) impossibilidade de acrescentar-se à correção monetária e/ou multa contratual;
( c ) cumulá-la com outras formas de encargos moratórios;
( d ) cumular com juros remuneratórios.
Representam o que disciplina a Súmula 472 do STJ.
Convém ressaltar, pois, a respaldar os argumentos supramencionados, que esses temas se encontram dispostos com os ditames das Súmulas 30, 294, 296 e 472, todas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
À luz das destacadas Súmulas, tem-se que a comissão de permanência tem uma tríplice finalidade:
( a ) remunerar o capital emprestado: tanto é assim que a Resolução 1.129/86 do BACEN, em inciso I, parte final, rege que a comissão de permanência “será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento.” No inciso II da mesma Resolução, rege-se que “além dos encargos previstos no item anterior, não será permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatórias…”;
( b ) como fator para corrigir a depreciação da moeda: Como percebido alhures, a comissão de permanência surgira nos idos de 1966, em decorrência de Resolução do CMN. Portanto, antes da promulgação da Lei 6.899/1991. Essa trata especificamente da correção monetária e, por isso, justificou-se ser impertinente para aquela primeira finalidade (comissão de permanência);
( c ) ostenta natureza punição pelo inadimplemento da obrigação contraída: O inciso I da Resolução 1.129/66 reza que as instituições financeiras ali mencionadas podem “cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos…” Sem sombra de dúvidas é expressa a conotação de sua incidência por conta da mora, máxime quando opera após o vencimento da dívida.
Com efeito, demandar pela cobrança da comissão de permanência necessariamente excluirão os outros encargos que tenham efeitos de remunerar, corrigir ou punir pela inadimplência.
5 – Cláusula penal
A cláusula penal, igualmente nominada de multa contratual ou pena convencional, tem como âmago o ressarcimento dos danos perpetrados pelo inadimplente em obrigações contratuais.
Incide de pleno direito, porém reclama a ocorrência de culpa do devedor (CC, art. 408).
Mostra-se como condição acessória, tanto que visa garantir o cumprimento do compromisso preponderante.
Por isso, mesmo relacionada ao princípio da autonomia privada, o valor aplicado não pode superar o montante da obrigação principal (CC, art. 412).
De mais a mais, nas relações de consumo, em obediência ao princípio da especialidade, a mesma tem como teto o percentual de 2% (dois por cento).
É o que define o art. 52 do CDC.
Ainda em decorrência de sua acessoriedade, salvo disposição em contrário, segue a mesma sorte da obrigação principal (acessorium sequeatur principale).
Isso decorre do princípio da gravitação jurídica, amplamente utilizado pela doutrina civilista. O inverso não é verdadeiro (CC, art. 184).
De outro bordo, urge asseverar que o Código preserva a aplicação da pena convencional tanto nas situações de inexecução completa do contrato (inadimplemento absoluto).
Tal-qualmente em face de descumprimento de cláusula especial acertada e, de modo igual, em face da simples mora (inadimplemento relativo).
6 – Descaracterização da mora
Antes de tudo, para melhor entendermos o sentido da expressão “descaracterização da mora”, amplamente mencionada em decisões judiciais de nossos Tribunais, é mister orientar-se do que rege o art. 396 da Legislação Substantiva Civil:
Art. 396 – Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora. (destacamos)
Destarte, para que o devedor incorra em mora se exige a comprovação de ato ou omissão imputável ao mesmo.
Há uma gama de julgados, máxime enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça, em que ficou definido que: a cobrança ilegal de encargos contratuais bancários, no período de normalidade, descaracteriza a mora do devedor.
Mas, afinal, o que seria “período de normalidade”, tão referido nesses julgados?
Na visão do STJ, o “período de normalidade” diz respeito à fase de adimplência da relação contratual no mútuo bancário.
É dizer, refere-se aos juros remuneratórios e à capitalização dos mesmos, encargos esses, de fato, cobrados na referida etapa do enlace jurídico.
Com esse enfoque, o Superior Tribunal de Justiça, ao concluir o julgamento de recurso repetitivo sobre revisão de contrato bancário (REsp nº. 1.061.530/RS), quanto ao tema de “configuração da mora” destacou que:
ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual(juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;
b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
E do precioso acórdão em liça ainda podemos destacar que:
“Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado ‘período da normalidade’, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora. “
Com efeito, uma vez constatada a cobrança de juros remuneratórios e/ou juros capitalizados em discrepância com o limite legal, tem-se por afastada a mora do mutuário.
Contudo, urge asseverar que a exigência de juros remuneratórios superiores a 1%(um por cento) ao ano, por si só, não representa abusividade (STJ, Súmula 382).
Assim, nesse aspecto, necessária se faz a demonstração efetiva do abuso.
Via reflexa, a exigência excessiva dessas obrigações, todos os encargos moratórios deverão ser afastados, máxime porquanto, da regência da Lei, o devedor não deu azo à inadimplência.
Ótimo