PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL À LUZ DO NOVO CPC
A expressão, supracitada, pode até soar estranha; até mesmo desconhecida. Todavia, não se pode perder de vista o quão comum a ocorrência desse fenômeno. Para além disso, os imensuráveis “estragos processuais”, queira acreditar nisso.
Não raro a situação no embate litigioso é propícia ao acolhimento do pedido. Porém, esse, aparente, trivial equívoco porá por terra uma causa por vezes quase ganha.
SIGNIFICADO
Quando apontamos algo como dialético, levamos em conta a característica da discussão, da argumentação.
No processo, pois, a dialeticidade supõe-se, obviamente, ao discursivo, revelando formulações organizadas, concatenadas, expondo-se um raciocínio encadeado.
Desse modo, defronta o princípio da dialeticidade recursal aquele que, no processo, não faz oposição firme, pontual, à decisão recorrida.
O TÍPICO ERRO NOS PROCESSOS
Como antes afirmado, o recurso que não enfrenta, especificamente, a decisão hostilizada, traz à tona sua inadmissibilidade; o não conhecimento; o juízo negativo de admissibilidade.
Sem dificuldades, ordinariamente, flagrantemente as Razões, sobremaneira confusas, não atacam, estritamente, os fundamentos revelados no julgado. É dizer, inexiste confronto direto ao mérito do decisum. Passa longe disso, a propósito; são totalmente dissociados, sem dúvida. Não se aponta, lado outro, onde se encontra o erro da decisão judicial combatida; o eventual desacerto, destarte.
Em verdade, essas peças recursais praticamente repetem todo o tema antes levantado na defesa, ou na petição inicial. Portanto, aqui, não há, tecnicamente, razões recursais, pois apenas faz remissões àquelas; nada acrescem.
Nesse passo, inescusável que essas “pretensas” razões tão só colacionam teses totalmente dissociadas do decisum recorrido.
A legislação adjetiva civil põe de manifesto essa proposição, ad litteram:
Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
[ … ]
III – as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;
Tal-qualmente no que concerne ao agravo interno. Essa norma, registre-se, é até mais enfática, mais clara nesse aspecto.
Nessa levada, é de todo oportuno gizar o magistério de Teresa Arruda Alvim:
3.2. Na verdade, o que se pretende com esse dispositivo é desestimular as partes a redigir recursos que não sejam umbilicalmente ligados à decisão impugnada. Não é incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação: isto é indesejável. O recurso tem que impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato ou de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim … [et al] Coordenadores. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo [livro eletrônico]. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2016. Epub. ISBN 978-85-203-6758-2)
No ponto, é conveniente a lembrança de José Miguel Garcia Medina:
IV. Juízo de admissibilidade negativo. Não conhecimento do recurso, pelo relator. O relator não conhecerá do recurso, de acordo com o inc. III do art. 932 do CPC/2015, quando “inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”. A primeira hipótese (recurso inadmissível) abrange as demais, pois, em se tratando de recurso prejudicado, faltará interesse recursal, e, não tendo havido impugnação específica aos fundamentos da decisão que possam manter sua conclusão, faltará, também, regularidade formal (a respeito dos requisitos dos recursos, cf. comentário ao art. 994 do CPC/2015). Cf., no entanto, comentário a seguir. (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado [livro eletrônico]. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2016. Epub. ISBN 978-85-203-6754-4)
E disso não discorda Luiz Guilherme Marinoni, quando revela, verbo ad verbum:
4. Não conhecer. O relator deve inadmitir – isto é, não conhecer – o recurso quando esse não preencher os requisitos intrínsecos e/ou extrínsecos que viabilizam o seu conhecimento. Inadmissibilidade é gênero no qual se inserem as espécies recurso prejudicado e recurso sem impugnação específica – rigorosamente, portanto, bastaria alusão à inadmissibilidade. Recurso prejudicado é recurso no qual a parte já não tem mais interesse recursal, haja vista a perda de seu objeto – enquadrando-se, portanto, no caso de inadmissibilidade (ausência de requisito intrínseco de admissibilidade recursal). Recurso sem impugnação específica é aquele que não enfrenta os fundamentos invocados pela decisão recorrida (ausência de requisito extrínseco de admissibilidade recursal). (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo código de processo civil [livro eletrônico]. – São Paulo: RT, 2015. Epub. ISBN 978-85-203-6024-8)
Em abono dessa disposição doutrinária, mister se faz trazer à colação estas judiciosas ementas:
APELAÇÃO CÍVEL. RAZÕES RECURSAIS. PEDIDO DE REFORMA. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA.
O recurso deve ser apresentado com os fundamentos de fato e de direito que deram causa ao inconformismo com a decisão prolatada, ou seja, deve fazer referência direta aos fundamentos do pronunciamento judicial, como base para desenvolver as razões recursais. Restando evidenciado nos autos que as razões recursais, bem como o pedido de reforma nada se referem com o cerne do que foi decidido, o recurso interposto não deve ser conhecido. (TJMG; APCV 1.0702.15.059998-4/001; Rel. Des. Amorim Siqueira; Julg. 23/05/2017; DJEMG 07/06/2017)
CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. APELO NÃO CONHECIDO.
1) Nos termos dos arts. 932, III e 1.010, III, do Código de Processo Civil é requisito necessário que nas razões recursais o apelante ataque os fundamentos da sentença, trazendo os elementos de fato e de direito para reforma do decisum; 2) Se o apelante não atacou os fundamentos da sentença, ignorando-os totalmente, o não conhecimento do apelo se impõe; 3) Apelação não conhecida. (TJAP; APL 0033197-60.2015.8.03.0001; Câmara Única; Rel. Des. João Lages; Julg. 16/05/2017; DJEAP 06/06/2017; Pág. 35)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. DESCONEXIDADE.
As razões recursais constituem-se componente imprescindível para que o tribunal, ao qual se dirige, possa julgar o mérito do recurso, cotejando-as com os motivos da decisão recorrida. A ausência de relação entre elas e o que restou decidido, assim como a sua falta, acarreta o não conhecimento do recurso interposto. – Apelação não conhecida diante da ausência de impugnação específica aos fundamentos que motivaram a sentença. Incidência do art. 1.010, II e III, do CPC/15 (art. 514, II, do CPC/73). Apelo não conhecido. (TJRS; AC 0132747-11.2017.8.21.7000; Santana do Livramento; Vigésima Segunda Câmara Cível; Relª Desª Marilene Bonzanini Bernardi; Julg. 26/05/2017; DJERS 06/06/2017)
Dessa maneira, infere-se, com tranquilidade, à luz do art. 932, inc. II, do CPC, que o recurso não deve ser conhecido.
Aqui, abaixo, colacionamos um vídeo, de nossa autoria, no qual aprofundamos mais sobre o tema. Confira-o:
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Até a próxima dica…
ótimo, sempre!!! a falta da dialeticidade acontece sobre maneira nos recursos de bancos, empresas de telecomunicações, ou seja naquelas ações de massa, é só o advogado ficar atento que geralmente essas grandes empresas repetem a contestação e ou impugnação!!!
Exatamente isso, colega Eloy. É preciso ficarmos atentos. Um abraço.